terça-feira, 20 de setembro de 2011

Póvoa do Vazio

Eu, que até estava a ficar melhor da minha cabeça, lá calhei aqui outra vez - perdi o juízo. Estava tão bem sem me meter nisto e, agora, volto a mexer nesta m*rda deste blogue que não interessa a ninguém.
Vamos só delinear uma coisa bem clara. Este blogue já provou - ou pelo menos tentou provar - que é português (e portista) da cabeça aos pés. Aqui escreve-se na língua de Camões, e não de Jorge Amado. Porque, para escrever em português do Brasil, prefiro antes escrever em inglês. Com todo o respeito aos nossos irmãos da "Ordem e Progresso". Mas esta mixórdia a que chamam Novo Acordo Ortográfico (NAO) não mais é que mais uma manobra de facilitismo, uma Novas Oportunidades para escrever em português falcatruado. É que, ou eu estou a entender muito mal, ou as consoantes que se vão deixar de usar - consoantes mudas, chamemos-lhes assim - tinham uma função tónica na palavra. Assim, se respeitássemos a devida acentuação de uma palavra, ao chegarmos a um estabelecimento alberguista, iríamos dar de caras com a palavra "receção" e, respeitando a acentuação, leríamos recessão. O que prova que este país está mesmo em recessão em todos os sectores, principalmente no da própria identidade. Mas isto sou eu que, à beira de muitos, pouco percebo do nosso português. Se não tiverem arranjado um NAO para o dialecto mirandês, aprendo esse e utilizo-o no blogue.


Vamos ao que não interessa. As histórias que contarei a seguir, passaram-se numa povoação (ou póvoa) que fica em território minhoto mas está incluída no Douro Litoral. Lá, a fé move uma cidade inteira, chamando também a atenção de turistas de um pouco por todo o lado para assistir às suas estonteantes e mega procissões solenes. A fé leva crentes de todo o concelho a seguir a formação descalços, de joelhos ou debaixo de andores.

Há poucos dias, celebrou-se mais uma festividade santa na região - uma longa procissão. Foram quase 45 minutos à porta da igreja à espera, sem o sino deixar de repicar, ecoando na alma de cada presente. A sério, o sino não se calou até à procissão já estar a quase 1km, não dando espaço a qualquer outro tipo de som ou descanso auditivo. Seguiu, durante quase 2 horas, pelas ruas da cidade, fazendo longas paragens sem explicação - talvez fosse trânsito, cansaço, problemas na segurança dos andores...
Quase a chegar ao fim, na última grande recta (claro, o sino ligava outra vez os motores sem parar), surge uma cena algo desagradável. Uma mãe, conduzindo um carrinho de bebé, tenta arranjar a melhor maneira de se desfazer da multidão de crentes, para seguir o seu caminho. Podia esperar? Talvez. Podia ir por outro caminho? Podia. No entanto, escolheu desenvencilhar-se pelo meio da procissão, só uns segundos a perfurar a formação, tentando incomodar o mínimo. Logo se elevaram as vozes típicas de um estereótipo (mal criado na minha ideia) de peixeira a mandar vir e insultar com a senhora. As mulheres que fazem os quilómetros todos de todas as procissões, supostamente por uma razão de fé por aquele que disse um dia "aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra", são as primeiras a disparar os calhaus. Um sinal de canalização do calor humano e reactividade nortenhos para a linchação pública de um terceiro, não tendo respeito pela ocasião da qual se declaram devotos. "Ai de quem disser mal da minha Nssa. Sra. de Não Sei o Quê, que morre!".
No entanto, o reverso da medalha também acontece, na mesma cidade, embora numa festividade diferente. Aposto que mais de metade dos crentes da história que acabei de contar, também estavam presentes nesta próxima. E trata-se da mais longa procissão da região. Quase mais que 2 horas de caminho, num dia em que, por coincidência, a selecção portuguesa jogava, na África do Sul, a sua continuidade no Campeonato do Mundo de 2010. Algo de esquisito se passou nos últimos quilómetros da procissão quando, com a proximidade ao evento desportivo, a passada acelerou de forma retumbante. Então, na terra em que os devotos defendem em pé de guerra as suas manifestações de fé, decidiram despachar esta na proximidade de um jogo de futebol. Constata-se talvez um desiquilíbrio no trinómio Fado-Futebol-Fátima, com benefício do segundo e prejuízo do terceiro. Então, minhas senhoras? Que é da Nssa. Sra. dos Quilómetros agora? Já não interessa palmilhá-los do início ao fim de forma temerosa e paciente? Quando os outros desrespeitam são mal-educadas e, agora, são as primeiras a desrespeitar?


Pois, acontece, isto tudo passou-se. A igreja católica define que as procissões de fé não devem ter mais que uma hora e meia. No entanto, em muitos sítios, abusa-se. Neste em concreto, até violentos são quando aparece uma voz dissidente. É um podre de um povo que apenas vê em frente, e apenas uns centímetros, sem visão para ver à volta. Dois exemplos, de má-educação e hipocrisia, de quem se acha temeroso por fazer quilómetros chatos, quando há procissões curtas que levam mais fé cristã. É um desrespeito por quem, por exemplo, morre nestas ocasiões, como se passou na Páscoa de 2011. Vivemos num país onde o povo pode ser cego por dogmas de incultura, só porque se fazem há gerações de uma forma, recusando-se a mudar. É pena que isso aconteça também nas manifestações de fé cristã. Faz-nos perder, também, a fé Lusa...

2 comentários:

cara cool disse...

Benvindo (é assim que se escreve bem-vindo?) de novo à escrita. Convido-te a ler o meu "post" de 11 Agosto de 2009 chamado "Festas de Verão". Foi o que me fez lembrar ao ler este teu texto. Um abraço.

@shitspeecher disse...

Concordo plenamente com os procissódromos. Mas lá fica a velha lógica de que quem deu dinheiro para a festa tem que ter a procissão à porta. Enfim...