domingo, 10 de novembro de 2013

Conto de Natal (parte I)

A nossa verborreia de hoje é dedicada a todos os venezuelanos. Sejam os caracoletas que se agitam num estrado de maestro a dar show-off, sejam os semi-lusitanos que, quando instados a prestar serviços à sua semi-Pátria, ficam logo de baixa médica. Viva a Venezuela! Vivam os Maduros que, decerto enfrascados em muito maduro, até antecipam o Natal, numa medida épica que vem levar à letra a expressão "o Natal é quando um homem quiser". Na Venezuela quiçá totalitária, é mesmo quando um homem quiser... Um só, aquele que manda. Antecipado que está o Natal neste país sul-americano, antecipemos nós também a nossa edição evitável do Conto de Natal, de modo a poupar o leitor de chatices mais lá para a altura do 25.º de Dezembro.

Ora, corria o ano de 2013 da graça do Senhor e desgraça dos portugueses. Antero Aníbal Teixeiró dos Santos "Sachola" vivia na paz contida da sua casa de sempre. Único de 3 irmãos (o mais velho meteu-se na droga e nunca mais foi visto, o do meio morreu num acidente de tractor, quando o arado mecânico ultrapassou o veículo e o abalroou), Antero levava a vida de tantos outros antepassados: era lavrador, não amador nem profissional, mas porque, depois da quarta classe, já chegava de chatices para o seu pai e foi obrigado a trabalhar na quinta a tempo inteiro. Teve a primeira leira de sua total responsabilidade aos 12 anos, onde plantava as couves e os feijões para o caldo. Conduziu o seu primeiro tractor aos 14 e a primeira junta de bois aos 17. Estava um homem feito, bem rijo e forte, coradinho nas maçãs e com mãos de aço. Desde a sua primeira copada de tinto maduro, por altura dos 8 anos, a sua voz tomou proporções de grossura num ápice, quando aos 13 anos os seus palavrões já não motivavam repreensões pelos velhotes que adormeciam ao sol. Estava um homem feito, pelo que a sua primeira motorizada, de marca incerta (dizia Zundapp no assento, Tâmega no depósito e Macal na crenagem do motor), comprada em 2ª. mão de uma anterior 2ª. mão com o dinheiro resultante da venda de 2 porcos e 1 vitelo que ele criou (iam ser 2 vitelos, mas um foi roubado para venda no mercado negro, sendo que testes de ADN resultaram na localização da sua carne num restaurante chinês em Seul), foi o dia mais feliz da sua vida. Com isto, já podia levar a passear a Clotilde, a bela moça que ele cresceu a admirar e a pensar amá-lo, sem se dar conta dos inúmeros namorados que ela ia tendo, actualmente o Porfírio "Zangão", filho do Presidente da Junta. A bela moça nunca dizia que não aos mimos que o "Sachola" lhe oferecia, sendo sempre uma companhia seca e cheia de indirectas que o obcecado apaixonado nunca percebia... Quantas vezes não fazia ele papel de "vela" ou "gato de confissão"... Nem sequer a "micro-ondas" (aquece para os outros comerem) ou "friendzoned" chegava. Uma ignorância que dava pena ver naquele moço... Ainda assim, um rapaz de talento. Antero tocava acordeão e era a presença habitual nos bailes da aldeia desde muito novo, perdendo notabilidade com a profusão de artistas de baile acompanhados pela sua "banda" (leia-se "piano electrónico da loja dos 300") e 2 mulheres de lingerie cheia de brilhantes a quem insistiam chamar bailarinas. Ainda assim, o "Sachola" não deixava de fazer furor nas aldeias da região, onde ia com frequência animar bailes em noites de Verão e festas religiosas. Tal não acontecia somente na freguesia de Arcanhos de Baixo, onde foi corrido a pontapé e 2 garrafas de cerveja na cabeça (uma delas cheia), por fazer olhinhos à filha ilegítima do padre, a Natércia, acto logo violentamente retaliado pela "matilha" de seguidores que a mulher tinha sempre ao pé a pagar-lhe bebidas e pacotes de batatas fritas. Antero também dava som a despiques - aquele improviso de versos ordinários característicos das aldeias portuguesas - pelo que esse era o seu sonho: acordeonista de despiques profissional.

(Esta história há-de continuar...)

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